terça-feira, 20 de abril de 2010

LADRÕES

O professor estava desempregado, ganhava uns trocados dando aulas de técnicas redacionais para estudantes que desprezavam a leitura e escrita. Isso lhe cobria de asco e indignação aos jovens do século XXI. Andava à esmo todos os dias quando não havia aulas para dar, conheceu então o ladrão Azul que era preto como a noite. Abre parênteses, haverá quem apareça e queira indignificar o texto porque o autor diz que o ladrão era preto. Ora, ele era preto não porque os ladrões só são pretos, aliás, a maioria dos ladrões contemporâneos é mestiça, são até homens públicos lá no Distrito Federal, os pretos são doutores, professores e escritores aloprados, uma minoria é ladrão. Azul era preto porque seu pai que também foi ladrão era preto e sua mãe que vendia abará no Largo da Lapinha, próxima a uma igreja católica onde o pároco iniciava as missas com a dança de Oxum e por isso foi punido pelo alto clero da arquidiocese primaz do Brasil, não se sabe se por preconceito ou intolerância à dança dos orixás africanos ou tão somente para a manutenção da ordem e tradição católica apostólica romana, portanto era preta e ele saiu preto e tornou-se ladrão como o pai para indignar a sociedade hipócrita, medíocre e metida a besta, era o que ele sempre falava. Fecha parênteses. Os dois, Azul e o professor, que era mestiço chegado a preto, passaram a andar e beber juntos no Largo Dois de Julho. Lá pelas seis da manhã, juntava-se a eles a prostituta Verônica de Assis, conhecida no meio da negociata amorosa como Alessandra Cibeli. Era ela quem pagava a cerveja e o prato de aipim com ensopado que os três traçavam durante a aurora rosada. Em seguida Azul roubava uma ou duas bolsas de estudantes ou de dondocas que passavam dentro do carro com os vidros arriados em direção ao Comércio de Salvador. Naquela noite, além dos roubos de Azul e da ludibriação do professor no jogo de cartas, Verônica de Assis, ou AC, havia negociado seu corpo ao jovem Arquimedes Gonçalves. Ela trajava somente um cinto dourado que lhe abraçava o quadril e acentuava mais seu corpo cheio de curvas voluptuosas, durante a dança, subiu na mesa do rapaz e esfregou a vagina sem pelos, muito bem perfumada e bem cuidada, apesar da profissão, no rosto extasiado e boquiaberto de Arquimedes. Alessandra soube pelo próprio “josé manoel” que ele morava sozinho num apartamento na Rua Banco dos Ingleses, próximo ao Campo Grande, zona nobre de Salvador. AC, ou Verônica de Assis, organizou o assalto ao apartamento do então leso, tonto e simplório Arquimedes. O professor, com ares de professor, foi ao prédio disfarçado, cheio de blush pelo rosto docente e apresentou-se como tal profissional que fora designado não se sabe por quem a ensinar Arquimedes as boas maneiras de um texto dissertativo. Azul e Alessandra Cibeli apareceram em seguida com uma nota falsa de despejo para o tal apartamento, o porteiro diante da confusão ordenou que subissem e se acertassem com o inquilino que para ele era o proprietário. E por isso a desconfiança lhe tomou por inteiro, dizem que o ofício de portaria é simplesmente estudar a vida alheia. A polícia chegou, matou Azul, prendeu o professor que se urinou nas calças e ouviu os depoimentos de Arquimedes Gonçalves, da sua esposa Verônica de Assis, eternos apaixonados... E do porteiro que se indagava coçando o queixo com uma dúvida atroz:

– Não sabia que seu Arquimedes era casado...

Um comentário:

  1. Bastante neo-naturalista, vc vem trazendo a realidade cada vez com mais força.

    ResponderExcluir