segunda-feira, 26 de abril de 2010

O FAMIGERADO MURO DE BERLIM

TRECHO DE UM ROMANCE QUE ESTOU ESCREVENDO AINDA SEM NOME.

Cultivei o hábito, desde criança, não lembro bem a idade, de acordar às cinco da manhã. Quando pequeno, ao acordar nesse horário, corria para cima e para baixo no quintal para dois objetivos: esquentar e cair num chuveiro de água fria, que meu pai exigia e eu gostava de satisfazê-lo, e manter a forma para o futebol no colégio sempre nos intervalos do recreio. Hoje, já marmanjo e de posse de cãs, levanto-me para jogar o lixo fora e olhar as pessoas quase sempre com o semblante triste e indignado irem para o trabalho. Depois coloco a água para o café e assisto às notícias que são praticamente as mesmas da noite anterior. Algo sempre chama minha atenção, durante as notícias repetitivas, então as uso em minhas aulas. Outro dia, enquanto lia Fernando Pessoa, parei na célebre frase do poeta que todos repetem e acabará virando axioma. Sei lá se há alma é pequena ou se valerá a pena de fato? Pensei sobre isso e não cheguei a nenhuma conclusão. Retorno da inquietude silenciosa do pensamento e olho a TV, não havia alma que valesse a pena no congresso federal, tudo se repete, roubam, corrompem, dinheiro na cueca, na meia, na mala, até no cu, eles colocam. Um dia assisti a uma palestra na Universidade, uma bambambam cientista política disse que a corrupção é um erro de Deus no ser humano. Isso me espantou, sendo ela uma cientista o que teria a ver Deus com a iniqüidade dos homens? Talvez sim, no Latim, "iniquitas" também significa pecado. Bom, não há conserto para essa avaria. Dayse dorme suavemente, como se nunca correra para fugir. O ser humano vive de fugas, se não de regime político, como foi o caso dela, mas uns dos outros como tribos pré – históricas, canibalescas, um querendo comer o outro. No dia que derrubaram o muro de Berlim, jantava com meu pai, era o aniversário dele. Nove de novembro, aliteração importante nas nossas vidas. Foi então que vi Dayse na televisão, do outro lado do oceano comemorando o fim de uma das atrocidades que os donos do mundo promovem. Reação popular, ali sim, não havia nenhum líder político para chamar atenção sobre si e querer entrar para a história como precursor da grande revolta e fim da guerra fria. Não, as pessoas reuniram-se e aos poucos, primeiro timidamente depois com ânsia, altivez e cumplicidade dos dois lados, exigiam, de um lado “venham” do outro “abram os portões” e a cicatriz alemã, diria Reagan, esvaía-se. A nação aprisionada estava liberta.

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