segunda-feira, 26 de abril de 2010

O FAMIGERADO MURO DE BERLIM

TRECHO DE UM ROMANCE QUE ESTOU ESCREVENDO AINDA SEM NOME.

Cultivei o hábito, desde criança, não lembro bem a idade, de acordar às cinco da manhã. Quando pequeno, ao acordar nesse horário, corria para cima e para baixo no quintal para dois objetivos: esquentar e cair num chuveiro de água fria, que meu pai exigia e eu gostava de satisfazê-lo, e manter a forma para o futebol no colégio sempre nos intervalos do recreio. Hoje, já marmanjo e de posse de cãs, levanto-me para jogar o lixo fora e olhar as pessoas quase sempre com o semblante triste e indignado irem para o trabalho. Depois coloco a água para o café e assisto às notícias que são praticamente as mesmas da noite anterior. Algo sempre chama minha atenção, durante as notícias repetitivas, então as uso em minhas aulas. Outro dia, enquanto lia Fernando Pessoa, parei na célebre frase do poeta que todos repetem e acabará virando axioma. Sei lá se há alma é pequena ou se valerá a pena de fato? Pensei sobre isso e não cheguei a nenhuma conclusão. Retorno da inquietude silenciosa do pensamento e olho a TV, não havia alma que valesse a pena no congresso federal, tudo se repete, roubam, corrompem, dinheiro na cueca, na meia, na mala, até no cu, eles colocam. Um dia assisti a uma palestra na Universidade, uma bambambam cientista política disse que a corrupção é um erro de Deus no ser humano. Isso me espantou, sendo ela uma cientista o que teria a ver Deus com a iniqüidade dos homens? Talvez sim, no Latim, "iniquitas" também significa pecado. Bom, não há conserto para essa avaria. Dayse dorme suavemente, como se nunca correra para fugir. O ser humano vive de fugas, se não de regime político, como foi o caso dela, mas uns dos outros como tribos pré – históricas, canibalescas, um querendo comer o outro. No dia que derrubaram o muro de Berlim, jantava com meu pai, era o aniversário dele. Nove de novembro, aliteração importante nas nossas vidas. Foi então que vi Dayse na televisão, do outro lado do oceano comemorando o fim de uma das atrocidades que os donos do mundo promovem. Reação popular, ali sim, não havia nenhum líder político para chamar atenção sobre si e querer entrar para a história como precursor da grande revolta e fim da guerra fria. Não, as pessoas reuniram-se e aos poucos, primeiro timidamente depois com ânsia, altivez e cumplicidade dos dois lados, exigiam, de um lado “venham” do outro “abram os portões” e a cicatriz alemã, diria Reagan, esvaía-se. A nação aprisionada estava liberta.

PREMATURO



Quando soube da notícia, ficou atônita. Um filme veio à sua cabeça, lembrou-se da prima Elsa. Ela que se cuidava tanto, tão iniciada sexualmente e engravidara. Jurou de pés juntos que não era para amarrar ninguém. Terminou sozinha, Antonio não deu bola e sumiu no mundo. Tornou-se um estorvo para todos dentro de casa. Ouvia de tudo, o que queria e o que não queria. Mas ela procurou, depois que deixou de ser virgem, não pensava em outra coisa.

_Sua prima Elsa mesmo, huuum! Nunca mais vai ter um marido de verdade... Homem que se preza não se arrisca a casar com mulher com filho de outro... Eu sou homem e sei...

Era a voz do pai ecoando pela casa todos os dias. O eco ficou mais intenso depois do flagrante de madrugada daquele sábado na varanda. Tinha avisado ao Mário que o pai sempre acordava de madrugada. Parecia visagem, ficava andando pela casa, duas, três da manhã. Estava tão bom. O Mário beijava com um frenesi delirante e arrebatado. De repente aquela voz de barítono ao nosso lado, acho que todos acordaram ao longo da rua. A cegueira de paixão e êxtase que nos tomava por inteiro ficou mais escura de temor e sobressalto. Pensou em casamento, mas que diabos de casamento que nada! E o curso de Direito? Menos mal, ainda não tinha passado no vestibular. Perdera o ano passado. Teve que agüentar o olhar de desconfiança do pai. Submetera-se a mais um ano de cursinho. Mais embaraço na cabeça dela. Tinha que haver uma saída. E se o exame estivesse errado? Essas coisas acontecem. Era o terceiro que fazia, impossível haver erro. Mário certamente não pensara nisso, embaraçado do jeito que era. Quando souber vai sumir igual ao Antonio da Elsa. Ela não era igual a Elsa, tinha muito pudor, apesar da maledicência oblíqua do pai. Foi falta de desvelo, também não podia imaginar que aquilo escorreria para dentro de si. Mário nem entrou. Ficou brincando na porta e ela adorando. Sentiu o visco, mas pensou que era dela mesma. Ficava assim só de ver o Mário. E agora? Como explicaria virgem e grávida? Sentia-se embaçada no espelho depois do banho quente. Tinha lágrimas suficientes, mas para que? Não era de lágrimas que precisava. Pensou novamente na prima Elsa e ligou.

_Oi, tia! Eu queria falar com Elsa... Aaah, não? Tá bom, diz a ela pra ligar para mim quando chegar... Não, não é nada urgente... Tá, até logo.

Sentou no banco da praça. O Campo Grande era belo, sempre fora. Até nos idos em que era mal cuidado e sujo, como cutucavam suas lembranças. Passava das quatro e havia muitas pessoas, algumas crianças. Lembrou-se dela mesma com o pai cuidadoso, cheio de orgulho com a filhinha querida. Veio na memória o dia em que caiu do balanço e levou pontos no queixo. O pai brutamontes, em cima daquele vozeirão, desabou a chorar mais do que ela própria. Riu das suas memórias. Viu-se de repente empurrando um carrinho de bebê, toda cuidadosa e feliz. Viu Mário ao seu lado sorridente. Acordou com uma banda escolar que se apresentava para alguma autoridade no centro da praça Dois de Julho. Voltou a pensar. O que diria ao pai. E a mãe? Até então não havia lembrado da mãe. Que injustiça! A mãe que sempre apoiara, foi ela, a mãe, quem dera o sinal positivo para namorar Mário. É verdade que com muita recomendação.

_Namore, minha filha. Mas tome cuidado... A tentação geralmente é mais forte do que a gente...Esse rapaz, o Mário, parece ser bom, é meio atrapalhado, mas é um bom menino... Tome cuidado, minha filha...

Como fora esquecer da mãe. Ela poderia ajudá-la, conversaria primeiro com ela, evidente que pelas circunstancias seria difícil, mas mãe é mãe. Mostraria a ela o lacre. Aí sim, seria muito mais fácil de entender. Afinal, além de minúsculo, ele é lépido. Cai no canal vaginal e um abraço. Lá está ele refestelado nas trompas já organizando o parto. No caso dela, o primeiro parto.

Enquanto olhava a Baía de Todos os Santos da janela do ônibus, na avenida Contorno, ia e vinha nos pensamentos. Como seria o seu primeiro filho? Riu e passou a mão na barriga, ainda curta. Pensou num riso banguela. Ao mesmo tempo lembrou-se de Mário. Ele já estaria desconfiado e sumira, como Antonio. Jamais assumiria, ainda mais agora que passara para encarregado na fábrica. Teria que se virar sozinha. Ouviria o estrugir do pai. As lamentações da mãe. O “eu não te avisei, Maria Alice?” de Elsa. Os olhares de dona Joana e seu Caetano, como se a filha deles fosse santa. Era a maior galinha da rua, isso sim!

O coração acelerava a cada metro. Como um inesperado, avistou Elsa, Mário e o pai, no portão. Quase desmaiou. As pernas faltaram, mas a guerreira que existia nela segurou. O pai aproximou-se, sempre com o cenho franzido e disse:

_Maria Alice, minha filha, o seu noivo está aqui a horas...

_Noivo?

_Sim, o Mário é o seu noivo... Veio pedir sua mão em casamento, grande rapaz... Não imaginava que existissem moços como ele hoje em dia, você fez uma bela escolha filha... Imagine que ele já quer casar...

_Eu também quero...

Afonso Henrique nasceu na água, nem chorou muito. Prematuro de sete meses. Elsa ajudou a amamentar, a mãe não tinha muito leite. A avó paparicava. O avô chorava cada vez que Afonso Henrique mijava-lhe o colo. E Mário amava-a a cada dia...

sábado, 24 de abril de 2010

CAMELÔ


O delegado Carlos Antonio era um homem sério e infeliz. Casado com uma mulher que não amava mais, que não lhe dera filhos e que lhe atazanava a mente com problemas fúteis. Gostava da prostituta Roberta que o jornalista Marco lhe apresentou, no entanto não se atrevia a tocar-lhe nem um fio de cabelo. Sempre ia ao puteiro, quando a puta o via, largava com quem estivesse para lhe dar atenção e conversar. Só conversar. O delegado tentava persuadir-lhe a mente impura a largar o sexo profissional. Ela ouvia, consentia, lamentava, condoia-se e às vezes até chorava. Mas não deixava de ser santa puta. Um dia, ele resolveu comê-la, montá-la, diriam os vaqueiros num rompante machista. Diriam todos os homens suados que vendiam frutas, camelôs torcedores do ordinário tricolor baiano, taxistas hipócritas ou medíocres, tanto faz, que rodam pela São Salvador, mecânicos de máquinas de lavar que se cuspiam ao léu, sem educação doméstica. Expressão ignóbil para esses tipos. Ou estudantes angustiados com a nota final e que, sem escrúpulo, aliás, ninguém tem esse remorso fictício e, claro, isso não existe nas cabeças discentes, angariavam reais das coleguinhas que se diziam virgens mas não eram, para sua foda tranquila. Roberta lhes dava um sorriso de escárnio ao abrir as pernas, gozava somente com os estudantes. Suando a bicas, tremendo e com dor de barriga insinuante, o delegado ajoelhou-se, cheirou o sexo de Roberta. Perfumado e limpo. O delegado Carlos Antonio não conseguiu penetrar. Pagou. Constrangido e atordoado com o fracasso, ao descer e chegar na rua diante dos olhares desconfiados prendeu um camelô suspeito de tráfico de drogas e pedofilia...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O LEITOR DE KAFKA


Ao chegar no inferno trazido por um dos demônio-capacho, Moré, cachaceiro inveterado, ouviu o diabo dizer que ele esperasse, pois o miserável da escuridão estava ocupado levando sofrimento às pessoas de todo o mundo, aproveitava uma iminente ausência de Deus que coordenava uma reunião pela paz com Deuses do Olimpo, Orixás, Incas e Maias, todos os santos católicos, Buda, Alá, Krishna, Osíris, Odin, Thor e os cambau. No entanto, o chifrudo ao saber que Moré morreu entalado por uma pedra de dominó, a bucha de sena, não se contentou e quis ouvir a história. Moré contou-lhe que mais uma vez, entre centenas de vezes, dormiu bêbado no sofá da sala com a boca babosa e escancarada. Seu sobrinho, uma criança de dois anos, enfiou-lhe goela abaixo a peça de jogo sufocando-o e levando-o a óbito. Em desdém, o diabo mirou-o de cima a baixo e disse que ia investigar. Leitor de Kafka, dizia sempre que a ideia de criar Gregor Samsa havia partido dele, do satanás desgraçado, que incentivava a proliferação de baratas. Mas nem mesmo os demônios-capacho que lhe serviam, acreditavam nessa mentira dos diabos, no entanto ninguém ousava contrariá-lo. Sendo assim metamorfoseou-se do inseto e subiu pelo ralo da cozinha. Passeou pelos salgadinhos que estavam sendo servidos no velório deixando o miasma repugnante e foi para a sala. Viu a criança, alheia à presença da morte sentada no colo da mãe. Foi em direção do menino corriqueiramente como uma barata para lhe causar medo, asco e choro. A criança, ao ver aquele inseto, em atitude pueril e lúdica, pulou em cima e esmagou-lhe, fazendo espirrar a gosma nojenta. Ao voltar para o inferno, o diabo só tinha um lado da cara e o chifre que sobrou estava quebrado. Os demônios-capacho riam de soslaio, Cérbero gania e não sabia onde enfiar suas três cabeças, só Moré se pronunciou.

– Viu? Eu lhe disse que aquele menino tinha arte do cão, nem você pode com ele... Eu avisei...

terça-feira, 20 de abril de 2010

LADRÕES

O professor estava desempregado, ganhava uns trocados dando aulas de técnicas redacionais para estudantes que desprezavam a leitura e escrita. Isso lhe cobria de asco e indignação aos jovens do século XXI. Andava à esmo todos os dias quando não havia aulas para dar, conheceu então o ladrão Azul que era preto como a noite. Abre parênteses, haverá quem apareça e queira indignificar o texto porque o autor diz que o ladrão era preto. Ora, ele era preto não porque os ladrões só são pretos, aliás, a maioria dos ladrões contemporâneos é mestiça, são até homens públicos lá no Distrito Federal, os pretos são doutores, professores e escritores aloprados, uma minoria é ladrão. Azul era preto porque seu pai que também foi ladrão era preto e sua mãe que vendia abará no Largo da Lapinha, próxima a uma igreja católica onde o pároco iniciava as missas com a dança de Oxum e por isso foi punido pelo alto clero da arquidiocese primaz do Brasil, não se sabe se por preconceito ou intolerância à dança dos orixás africanos ou tão somente para a manutenção da ordem e tradição católica apostólica romana, portanto era preta e ele saiu preto e tornou-se ladrão como o pai para indignar a sociedade hipócrita, medíocre e metida a besta, era o que ele sempre falava. Fecha parênteses. Os dois, Azul e o professor, que era mestiço chegado a preto, passaram a andar e beber juntos no Largo Dois de Julho. Lá pelas seis da manhã, juntava-se a eles a prostituta Verônica de Assis, conhecida no meio da negociata amorosa como Alessandra Cibeli. Era ela quem pagava a cerveja e o prato de aipim com ensopado que os três traçavam durante a aurora rosada. Em seguida Azul roubava uma ou duas bolsas de estudantes ou de dondocas que passavam dentro do carro com os vidros arriados em direção ao Comércio de Salvador. Naquela noite, além dos roubos de Azul e da ludibriação do professor no jogo de cartas, Verônica de Assis, ou AC, havia negociado seu corpo ao jovem Arquimedes Gonçalves. Ela trajava somente um cinto dourado que lhe abraçava o quadril e acentuava mais seu corpo cheio de curvas voluptuosas, durante a dança, subiu na mesa do rapaz e esfregou a vagina sem pelos, muito bem perfumada e bem cuidada, apesar da profissão, no rosto extasiado e boquiaberto de Arquimedes. Alessandra soube pelo próprio “josé manoel” que ele morava sozinho num apartamento na Rua Banco dos Ingleses, próximo ao Campo Grande, zona nobre de Salvador. AC, ou Verônica de Assis, organizou o assalto ao apartamento do então leso, tonto e simplório Arquimedes. O professor, com ares de professor, foi ao prédio disfarçado, cheio de blush pelo rosto docente e apresentou-se como tal profissional que fora designado não se sabe por quem a ensinar Arquimedes as boas maneiras de um texto dissertativo. Azul e Alessandra Cibeli apareceram em seguida com uma nota falsa de despejo para o tal apartamento, o porteiro diante da confusão ordenou que subissem e se acertassem com o inquilino que para ele era o proprietário. E por isso a desconfiança lhe tomou por inteiro, dizem que o ofício de portaria é simplesmente estudar a vida alheia. A polícia chegou, matou Azul, prendeu o professor que se urinou nas calças e ouviu os depoimentos de Arquimedes Gonçalves, da sua esposa Verônica de Assis, eternos apaixonados... E do porteiro que se indagava coçando o queixo com uma dúvida atroz:

– Não sabia que seu Arquimedes era casado...

segunda-feira, 19 de abril de 2010

CONTO DE AMOR QUASE IMPOSSÍVEL

Sérgio Ricardo era dono do próprio nariz. Ouvia opiniões, mas não as acatava, era somente um pensamento que prevalecia. O dele. Tinha o rosto oval e os olhos oblíquos e profundos de quem vivia a pensar o que e como fazer as coisas, além de uma careca quase saliente que ele tentava disfarçar com um boné de grife qualquer. Conheceu Adrianinha Palito através do poeta Tony Amor. Um gordo vagabundo que achava que a vida era um mar de álcool e a atmosfera composta de fumaça de marijuana. Denominava-se engenheiro lexical e semântico. Os dois, SR e Tony Amor, estavam no Mercado Modelo, evidentemente enchendo a cara, quando Sérgio Ricardo falou pela primeira vez com Palito através do telefone celular de Tony Amor. Ela, no outro lado em um aparelho obsoleto e miserável, lá no fim de linha de São Tomé de Paripe, subúrbio ferroviário de Salvador, vizinha da residência presidencial quando o presidente sem dedo, ou outros com muitas mãos, vem à Bahia em busca de paz e bênçãos dos orixás. Triste paradoxo presente em toda a Salvador, cidade do axé, cidade do horror, de um lado o Presidente da República Federativa do Brasil com praia serena e particular separados por um muro e guardas armados da força militar tupiniquim, além de bicos e muxoxos indignados, do outro lado, mais fedorento e ontológico, uma mixórdia de pagode, casebres, lixo e cachaça baldeada com álcool noventa graus. Sérgio Ricardo apaixonou-se por Adrianinha Palito, paixão vice versa,que tinha problemas de relacionamento. Ela relutou ao sentimento quente e perverso da paixão anunciadora, não adiantou nada. Tony Amor armou o encontro em um restaurante no bairro não menos longínquo de Plataforma. Um cacete armado que assava galeto na famigerada gordurenta “televisão de cachorro”. Só engataram namoro depois que responderam mutuamente à mesma pergunta.

– Qual seu problema de relacionamento?

Quase em uníssono as respostas.

– Nada... Um probleminha (os dois em constrangimento apaixonado)É que... Eu tenho mau hálito...

Mesmo desconfiados um com o outro nos primeiros dias, beijaram-se à vontade e de nada reclamaram. Curtiram então o pôr do sol no subúrbio ferroviário com Tony Amor, o poeta adiposo, recitando o poema nerudiano “Já és minha”.

Carlos Vilarinho 18/04/10

sexta-feira, 16 de abril de 2010

LENDA URBANA

Tudo aconteceu na Travessa Vinte e Um de abril, pedaço de asfalto que liga as duas avenidas, Joana Angélica a Sete de Setembro, centro de Salvador. Gildásio era viciado em sexo, autodenominava-se "Tiger Woods" tupiniquim. Lurdes procurava um homem. Gildásio fizera amor com a esposa antes de sair de casa. Tempos atrás tornara-se impotente, depois de ejacular precocemente durante toda a adolescência e os primeiros anos de homem adulto. Em face disso, adquiriu à socapa uma prótese portátil. Segredo que ele não revelava, nem mesmo bêbado. Tira e coloca a prótese de acordo com seu desejo. Confessou ao médico que só tirava para limpar, e sem perder tempo colocava novamente. Nesse dia, ao chegar no bar embaixo do puteiro que freqüentava diariamente, conheceu Lurdes. Aprumaram-se e foram para o quarto. Lurdes ficou nua e Gildásio também. No entanto quando a mulher encaixou esperando a pegada forte sentiu algo molengo e sem vontade.

– Puta que pariu... Pôrra, caralho mole! Esqueci a pôrra da prótese no banheiro de casa!!! Berrou Gildásio em desespero terrificante.

Assim terminou a lenda do “homem de pau duro”...

terça-feira, 13 de abril de 2010

CAPÍTULO DE "TRÊS TIROS NUMA HISTÓRIA DE AMOR"

(1)
TAMPINHA


Sempre gostei dos poetas. Somos praticamente da mesma idade, sou um pouco mais velho e dei um duro danado para o bar ficar como está agora. Até entrevista para a televisão e destaque em revista cultural apareci. Minha moqueca de miragaia e a rabada com agrião que Lurdinha, minha cozinheira, faz, ganhou fama. Tempero dos deuses como Vadinho falava. Aliás, ele vive reclamando do banheiro. Tem razão o maconheiro poeta. Tenho que dar um jeito ali. É interessante que desde que a nossa amizade começou, quando tínhamos quinze, dezesseis anos, Vadinho e Joel, que nunca se desgrudaram, eram sempre os primeiros a me incentivar. O que hoje é um restaurante de proporções médio para grande porte, começou com uma simples barraquinha de cigarros e balas. Trabalhei duro, mas sempre contei, sobretudo com a ajuda daqueles dois. Conheço-os muito. Às vezes chego a pensar que conheço Vadinho, por exemplo, mais até do que ele próprio. Inúmeras foram as demonstrações idiossincráticas relativas a Vadinho que presenciei e algumas cheguei a prever. Uma vez a Maria Aparecida, hoje mulher de Bernardino, jogava insistentemente um charme meio sem graça para cima de Vadinho. Desde que começou a fazer recitais de poesia aqui no bar a presença feminina tornou-se o dobro dos homens. A sedução de Maria Aparecida não instigava Vadinho, ele ria por fora, mas por dentro estava mareado, nauseabundo. O tempo passou, abstrato ou não, e cada um tomou seu rumo. Vadinho e Joel Cachaça tornaram-se quase irmãos. Um sabia o que o outro pensava só no olhar entre si. Luís e Mariozinho eram partes da família poética. Esses quatro formavam a verve literária que muito ajudou ao meu restaurante dar certo. Tinha, portanto um apreço e uma consideração acho que sem limites e infinita por eles.
Notei nos últimos saraus que Vadinho estava diferente. Mais comedido e pensativo, como se algo o estivesse acossando. Ao mesmo tempo ouvia histórias sobre ele e uma mulher casada que desconfiava quem era, mas não tinha certeza. Margarete rondava o restaurante praticamente todos os dias no horário que ele costumava encontrar-se com Joel e Luís ao fim de tarde. Mariozinho sempre chegava mais tarde por que fechava a barraca no Mercado e vinha correndo soltar a voz ou dar pitacos nas composições de Luís, além das poesias de Vadinho e Joel. Um dia limpava umas mesas próximas ao telefone público e vi quando Margarete entrou e discou duas vezes o número da casa de Vadinho. Muxoxou, xingou Amelinha com ira e saiu. Voltou em seguida, discou novamente e ficou em silêncio. Discou de novo e dessa vez falou com a empregada de Vadinho, Joaninha. Falou rispidamente e pude ouvir uma frase.

– Você não vai fazer o que eu mandar, não é sua negra de merda? Pois, saiba que a arma já está em minha bolsa.

Aquilo me deixou alerta e preocupado. Quase paro a viatura do sargento Dias, mas depois desisti. Não sabia de fato o que ocorria. E agora Vadinho está morto. No último sarau, ouvi umas falas do poeta. Não costumava prestar atenção, a casa ficava cheia em dias de poesia e o corre-corre meu e dos garçons era intenso. Mas nesse último sarau algo fez com que eu prestasse atenção nele e em alguns da platéia. Vadinho recitou algo diferente, falou da inveja alheia. Falou que a inveja morava numa gruta escura e que nem o sol nem favônio chegavam até lá. Referiu-se a um tal de Ovídio e depois eu mesmo fiquei sabendo que favônio era o vento próspero. Já disse que não sei porque naquele momento parei para ouvir o que ele dizia. Entretanto ao olhar a platéia, procurando se havia alguém querendo cerveja ou petiscos. Vi quatro rostos contornados e mascarados de ódio e raiva. Espólios viperinos de monstros. Margarete, mestre Galegão, que era o mesmo Bernardino, e o filho deste, Lage. Havia outro que eu não sabia quem era, contudo já vira aquele rosto pelas redondezas. A inveja e a política eram temas favoritos de Vadinho. Quase em todos os recitais ele citava Shakespeare, falava de Otelo e Iago. Antonio e Shylock. Ouvindo sempre o que os poetas conversavam acabei ficando meio letrado. Foi assim que consegui comparar Margarete à Medusa, a górgona que transforma as pessoas em pedra. Bernardino a Iago, o invejoso que acabou com Desdêmona, mulher de Otelo. E Lage à Shylock, querendo um pedaço da carne de Vadinho. Aquele outro rosto desconhecido, cheio de ira, denotava uma estupidez débil. Não lembrava de nenhum personagem assim. Em Shakespeare ou outro autor qualquer que os poetas sempre discutiam à porfia. Amelinha, Harmonia e a empregada Joaninha com o filho Joãozinho estavam numa mesa ao canto direito do palco. As três embevecidas pelas palavras da trupe poética. O menino brincava distraído com um carrinho de brinquedo, de vez em quando olhava o palco e a platéia extasiada no momento das palmas. Ele, o menino Joãozinho, olhou para o fundo e algo lhe chamou a atenção. Como se tivesse assustado subitamente recolheu-se rapidamente ao colo da mãe. Aquilo me deixou apreensivo e em suspense. Não sei dizer porque, nem o que, mas havia algo no ar. Por último quando me voltei para o palco, percebi Vadinho meio travado. Joel olhava-o com um semblante preocupado e Luís errou algumas notas que nunca errara. Então Mariozinho veio até a mim e disse:

–Tampa, arrume a mesa da gente lá dentro da cozinha.

Concordei de imediato e saí para providenciar. Vi até o momento que Mariozinho chamou Amelinha e Antero ao canto e falar-lhes algo, depois entrei e fui arrumar a mesa dos poetas. Vadinho disse que estava tonto e que vira um velho desesperado acenando para ele. Saímos eu, Mariozinho, Luís e Antero, irmão de Amelinha, procuramos o tal velho e não vimos ninguém. Joel ficou em suspense olhando na direção de Bernardino e Lage. Depois Vadinho e os amigos serenaram e começaram a beber cerveja. Amelinha e Joaninha juntaram-se a eles. Não vi mais Harmonia, Antero disse que ela fora embora mais o marido. Engraçado, ele disse isso e em seguida vi Lage e o pai arrumando uma bolsa grande ou uma mochila. Não consegui saber do que se tratava, só vi a bolsa e um volume estranho que Bernardino passou para o filho e que este depois o devolveu com um semblante carregado não sei se de medo ou de ânsia. Comentei furtivamente essa cena com Antero, foi meu erro. Deveria comentar com outra pessoa, com Amelinha talvez. Com Joel ou Mariozinho. Antero era muito oculto e sem atitude. Fiquei com o foco dividido entre a casa, o restaurante, e minha preocupação com os poetas, sobretudo Vadinho. Foi então que do balcão vi passarem dois vultos para o fundo do restaurante onde ficava a cozinha. Acho que demorei demais. Quando fui ver quem eram, todos ouvimos três estampidos e três, não mais dois, vultos saíram apressadamente do bequinho que dava para o fundo do restaurante. Consegui ver uma camisa azul ou preta de costas. Em seguida o grito desesperado de Amelinha. Vadinho estava caído com uma bala, pelo menos era o que se via, alojada na altura do coração. Um furor aflito tomou a todos que estavam no restaurante. Muita gente saiu sem pagar e por sorte havia um médico entre os clientes. Olhou o ferimento e mandou que levássemos imediatamente a um hospital. Vadinho foi internado de madrugada. Enquanto conversávamos no corredor do hospital, ficamos a par de algumas informações que até então não sabíamos. Levantamos suspeitos, dentre eles, estava Margarete. Soubemos que a ex - mulher de Vadinho vinha sofrendo de psicose maníaco-depressivo, um tal de transtorno bipolar. Encontraram-na logo depois da tragédia andando a esmo e sem falar. Harmonia disse que Lage a trancou em casa e saiu novamente. E o outro que nos inspirou desconfiança, não sabíamos de quem se tratava. Chegou até nós também a informação de que Bernardino e Lage foram vistos horas depois bebendo cerveja em plena madrugada. Estavam nervosos e ariscos. Disseram também que de vez em quando, Bernardino soltava umas gargalhadas demoníacas. Luís comentou que aquele rosto do desconhecido não era tão desconhecido. A imagem vinha-lhe na memória mas ele não conseguia fazer o download para reconhecer. Não achávamos que havia mais gente envolvida. O sargento Dias e o
investigador Carlos Antonio, um gordinho com riso irônico na face, começaram as perguntas e em seguida saíram em diligência...


Carlos Vilarinho