segunda-feira, 26 de abril de 2010

PREMATURO



Quando soube da notícia, ficou atônita. Um filme veio à sua cabeça, lembrou-se da prima Elsa. Ela que se cuidava tanto, tão iniciada sexualmente e engravidara. Jurou de pés juntos que não era para amarrar ninguém. Terminou sozinha, Antonio não deu bola e sumiu no mundo. Tornou-se um estorvo para todos dentro de casa. Ouvia de tudo, o que queria e o que não queria. Mas ela procurou, depois que deixou de ser virgem, não pensava em outra coisa.

_Sua prima Elsa mesmo, huuum! Nunca mais vai ter um marido de verdade... Homem que se preza não se arrisca a casar com mulher com filho de outro... Eu sou homem e sei...

Era a voz do pai ecoando pela casa todos os dias. O eco ficou mais intenso depois do flagrante de madrugada daquele sábado na varanda. Tinha avisado ao Mário que o pai sempre acordava de madrugada. Parecia visagem, ficava andando pela casa, duas, três da manhã. Estava tão bom. O Mário beijava com um frenesi delirante e arrebatado. De repente aquela voz de barítono ao nosso lado, acho que todos acordaram ao longo da rua. A cegueira de paixão e êxtase que nos tomava por inteiro ficou mais escura de temor e sobressalto. Pensou em casamento, mas que diabos de casamento que nada! E o curso de Direito? Menos mal, ainda não tinha passado no vestibular. Perdera o ano passado. Teve que agüentar o olhar de desconfiança do pai. Submetera-se a mais um ano de cursinho. Mais embaraço na cabeça dela. Tinha que haver uma saída. E se o exame estivesse errado? Essas coisas acontecem. Era o terceiro que fazia, impossível haver erro. Mário certamente não pensara nisso, embaraçado do jeito que era. Quando souber vai sumir igual ao Antonio da Elsa. Ela não era igual a Elsa, tinha muito pudor, apesar da maledicência oblíqua do pai. Foi falta de desvelo, também não podia imaginar que aquilo escorreria para dentro de si. Mário nem entrou. Ficou brincando na porta e ela adorando. Sentiu o visco, mas pensou que era dela mesma. Ficava assim só de ver o Mário. E agora? Como explicaria virgem e grávida? Sentia-se embaçada no espelho depois do banho quente. Tinha lágrimas suficientes, mas para que? Não era de lágrimas que precisava. Pensou novamente na prima Elsa e ligou.

_Oi, tia! Eu queria falar com Elsa... Aaah, não? Tá bom, diz a ela pra ligar para mim quando chegar... Não, não é nada urgente... Tá, até logo.

Sentou no banco da praça. O Campo Grande era belo, sempre fora. Até nos idos em que era mal cuidado e sujo, como cutucavam suas lembranças. Passava das quatro e havia muitas pessoas, algumas crianças. Lembrou-se dela mesma com o pai cuidadoso, cheio de orgulho com a filhinha querida. Veio na memória o dia em que caiu do balanço e levou pontos no queixo. O pai brutamontes, em cima daquele vozeirão, desabou a chorar mais do que ela própria. Riu das suas memórias. Viu-se de repente empurrando um carrinho de bebê, toda cuidadosa e feliz. Viu Mário ao seu lado sorridente. Acordou com uma banda escolar que se apresentava para alguma autoridade no centro da praça Dois de Julho. Voltou a pensar. O que diria ao pai. E a mãe? Até então não havia lembrado da mãe. Que injustiça! A mãe que sempre apoiara, foi ela, a mãe, quem dera o sinal positivo para namorar Mário. É verdade que com muita recomendação.

_Namore, minha filha. Mas tome cuidado... A tentação geralmente é mais forte do que a gente...Esse rapaz, o Mário, parece ser bom, é meio atrapalhado, mas é um bom menino... Tome cuidado, minha filha...

Como fora esquecer da mãe. Ela poderia ajudá-la, conversaria primeiro com ela, evidente que pelas circunstancias seria difícil, mas mãe é mãe. Mostraria a ela o lacre. Aí sim, seria muito mais fácil de entender. Afinal, além de minúsculo, ele é lépido. Cai no canal vaginal e um abraço. Lá está ele refestelado nas trompas já organizando o parto. No caso dela, o primeiro parto.

Enquanto olhava a Baía de Todos os Santos da janela do ônibus, na avenida Contorno, ia e vinha nos pensamentos. Como seria o seu primeiro filho? Riu e passou a mão na barriga, ainda curta. Pensou num riso banguela. Ao mesmo tempo lembrou-se de Mário. Ele já estaria desconfiado e sumira, como Antonio. Jamais assumiria, ainda mais agora que passara para encarregado na fábrica. Teria que se virar sozinha. Ouviria o estrugir do pai. As lamentações da mãe. O “eu não te avisei, Maria Alice?” de Elsa. Os olhares de dona Joana e seu Caetano, como se a filha deles fosse santa. Era a maior galinha da rua, isso sim!

O coração acelerava a cada metro. Como um inesperado, avistou Elsa, Mário e o pai, no portão. Quase desmaiou. As pernas faltaram, mas a guerreira que existia nela segurou. O pai aproximou-se, sempre com o cenho franzido e disse:

_Maria Alice, minha filha, o seu noivo está aqui a horas...

_Noivo?

_Sim, o Mário é o seu noivo... Veio pedir sua mão em casamento, grande rapaz... Não imaginava que existissem moços como ele hoje em dia, você fez uma bela escolha filha... Imagine que ele já quer casar...

_Eu também quero...

Afonso Henrique nasceu na água, nem chorou muito. Prematuro de sete meses. Elsa ajudou a amamentar, a mãe não tinha muito leite. A avó paparicava. O avô chorava cada vez que Afonso Henrique mijava-lhe o colo. E Mário amava-a a cada dia...

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