segunda-feira, 19 de abril de 2010

CONTO DE AMOR QUASE IMPOSSÍVEL

Sérgio Ricardo era dono do próprio nariz. Ouvia opiniões, mas não as acatava, era somente um pensamento que prevalecia. O dele. Tinha o rosto oval e os olhos oblíquos e profundos de quem vivia a pensar o que e como fazer as coisas, além de uma careca quase saliente que ele tentava disfarçar com um boné de grife qualquer. Conheceu Adrianinha Palito através do poeta Tony Amor. Um gordo vagabundo que achava que a vida era um mar de álcool e a atmosfera composta de fumaça de marijuana. Denominava-se engenheiro lexical e semântico. Os dois, SR e Tony Amor, estavam no Mercado Modelo, evidentemente enchendo a cara, quando Sérgio Ricardo falou pela primeira vez com Palito através do telefone celular de Tony Amor. Ela, no outro lado em um aparelho obsoleto e miserável, lá no fim de linha de São Tomé de Paripe, subúrbio ferroviário de Salvador, vizinha da residência presidencial quando o presidente sem dedo, ou outros com muitas mãos, vem à Bahia em busca de paz e bênçãos dos orixás. Triste paradoxo presente em toda a Salvador, cidade do axé, cidade do horror, de um lado o Presidente da República Federativa do Brasil com praia serena e particular separados por um muro e guardas armados da força militar tupiniquim, além de bicos e muxoxos indignados, do outro lado, mais fedorento e ontológico, uma mixórdia de pagode, casebres, lixo e cachaça baldeada com álcool noventa graus. Sérgio Ricardo apaixonou-se por Adrianinha Palito, paixão vice versa,que tinha problemas de relacionamento. Ela relutou ao sentimento quente e perverso da paixão anunciadora, não adiantou nada. Tony Amor armou o encontro em um restaurante no bairro não menos longínquo de Plataforma. Um cacete armado que assava galeto na famigerada gordurenta “televisão de cachorro”. Só engataram namoro depois que responderam mutuamente à mesma pergunta.

– Qual seu problema de relacionamento?

Quase em uníssono as respostas.

– Nada... Um probleminha (os dois em constrangimento apaixonado)É que... Eu tenho mau hálito...

Mesmo desconfiados um com o outro nos primeiros dias, beijaram-se à vontade e de nada reclamaram. Curtiram então o pôr do sol no subúrbio ferroviário com Tony Amor, o poeta adiposo, recitando o poema nerudiano “Já és minha”.

Carlos Vilarinho 18/04/10

5 comentários:

  1. Carlos. Um amor em uma realidade da periferia Savadorenha, que nos deixa a pensar. Abraços. Paola.

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  2. Só tenho elogios a fazer, muito bom seu texto. Senti uma ironia queirosiana que me fez ainda mais apreciar a leitura.

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  3. coisa de doido mesmo, Carlão... Legal muito legal

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  4. Tão irônico; de saída, a ironia é o ponto máximo.

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  5. Gostei.Um toque de humor irônico que conota ao texto um certo requinte, próprio daqueles que
    arriscam-se em recriar, reinventar, inovar. Parabéns!

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